Cintia, era uma professora substituta em um projeto que atendia crianças carentes num bairro afastado do centro, algumas vinham da área rural. Era um trabalho que oferecia dança, oficinas de artesanato, noções de cidadania - apesar da oficineira de cidadania achar tudo aquilo uma mascaração da má vontade política local
e do desvio de verbas -, aulas de computação, sem falar dos lanches michos que ofereciam e que muitas crianças amavam, pois era uma das poucas refeições do dia, isso quando não era a única.
Nas últimas substituições, a professora percebeu uma garotinha amuada e que não conversava com ninguém, os outros professores disseram não perceber nada de errado com Beatriz, mas a substituta não se conformou e logo conquistou a confiança da pequena, na intenção de saber o que havia por trás daquele comportamento triste e apagado.
Era um dia chuvoso quando, Cintia, resolveu entender o que acontecia, aproveitou que havia poucos alunos e passou umas atividades enquanto Bia, estava debruçada na carteira olhando a chuva que caia tempestuosamente. Beatriz não era loira, não tinha cabelos lisos e era linda, mas a tristeza era percebida em cada traço e detalhe daquele rosto ingênuo, a professora tranquilamente caminhou até onde ela estava e ao tocar no seu ombro o susto foi inevitável pras duas, -Eu gostaria de falar com você Bia!!
-Prof, eu não quero conversar!!
-Linda, eu to preocupada com você, tenho visto você sempre longe de todo mundo, não conversa, se esconde quando pode, e procurei me aproximar pra ta ajudar mas não sei mas o que fazer, você pode me ajudar??
- A gente tem que conversar longe daqui e de todo mundo!!??? disse Bia.
- Mas por quê?
- Tenho vergonha, e talvez a senhora fique com nojo de mim...
- Não Bia, jamais... disse Cintia.
A pequena morava em uma casa afastada, na área rural com seu pai e um irmão mais velho, sua mãe havia morrido há pouco tempo, logo depois de uma discussão com o pai no quarto da casa, a ambulância foi buscá la e depois disso nunca mais a viu, pois não quis ir ao velório. Após o acontecido um garoto das redondezas a procurou e lhe entregou uma flor desidratada dentro de um envelope com um bilhete dizendo que seu pai havia sido assassinado e que entendia o que ela sentia, depois disso ficaram amigos. Jonas ia até a frente da casa de Bia geralmente no entardecer antes do pai dela chegar, com uma maçã ou outra fruta pra
agradá - la, caminhavam próximos à uma plantação de arroz conversando sobre o que fariam quando fossem morar na cidade.
-Bia, eu me preocupo com você, sei que sua mãe faleceu e que mora com seu pai e um irmão mais velho!!
- É verdade! disse Bia.
- Quando sairmos da aula eu te dou carona e poderemos conversar tranquilas o que você acha???
- Só nós duas????!!!
- Sim!!!!
O esposo de Cintia, trabalhou durante um bom tempo como motoqueiro de entregas e conhecia muito bem a cidade e arredores, mas estava desempregado, algumas vezes conversava com um amigo de entrega de correspondências e sonhava em passar num concurso e trabalhar ao lado do colega, era estudioso, bom marido, companheiro nos trabalhos domésticos, criativo em quebrar rotina com a esposa, de certa forma era o cara ideal. No dia em que sua esposa conversou com Beatriz, ele ficou um tanto incomodado pela demora, e de repente, ela surge chorando e entra no banheiro sem dizer uma palavra, demora no banho e sai como se sua alma estivesse imunda, não quis comer e nem que ele a tocasse.
No outro dia no café da manhã, ela com olhar triste decide contar o que havia acontecido no projeto, engasgou várias vezes antes de realmente conseguir dizer uma frase inteira.
- Gil, eu não estou bem, acho que você percebeu...
- Percebi, to preocupado, mas cada coisa a seu tempo...
- Lembra que fui fazer uns exames dias atrás??
- É você me disse, e ta aumentando minha agonia, desenrola, fala logo!!!
- Tô gravida, mas de repente penso se vale à pena termos o bebê!!!!
- Tô berando o desespero, por favor!!Pode me dizer o que realmente tá te incomodando??? Sempre quis ser pai e não acredito que ta com medo por minha causa...
- Não é por sua causa amor, mas não confio mais no que dizemos ser. O que é ser humano, ser pai, ser mãe??
- Putz!!!! Tô perdido com essa conversa, me diz logo o que ta acontecendo...
Cintia começa a chorar e entre uma pausa e outra, diz pro esposo que não entendia como os outros professores ficaram indiferentes àquela garota, ou se tiveram medo do envolvimento, e que ao conversar com ela descobriu algo cruel e massacrante. Beatriz recebeu uma fruta como de costume de seu amigo, mas naquele dia a conversa foi tão empolgante que não se deram conta do horário e ao chegarem no portão da casa dela, lá estava o pai com um olhar de ódio, e sem palavra alguma investiu sobre o amigo da filha, que chorando presenciou o espancamento de seu melhor, se não único amigo.
- Qué dize que você qué dá né guria??? Vô te mostra o que é bom pra tosse... - Disse o pai, pegando- a pelo braço e levando - a pra dentro.
A professora em meio a soluços, conta detalhes do acontecimento escabroso, como amordaçaram a garota e a amarraram na cama com o rosto enfiado no travesseiro quase a sufocar. A "amordaçaram", porque não foi só o pai, mas seu irmão mais velho também, abusaram daquela pequena que não passava dos onze anos e dia após dia, a maldade se requintava ao ponto de marcarem seu corpo com bitucas de cigarro...
Gil ficou desconfortável com aquela aberração que não curtiu nem a gravidez da mulher naqueles dias, ficava
pelos cantos e um dia resolveu perguntar pra esposa se ela conseguiria o endereço da garota, pois enviaria algum presente, mas que não sabia ainda o que seria. Cintia decidiu que o ajudaria, e num descuido da secretária do projeto, pegou o endereço e o nome do pai e irmão, caso precisassem livrar Beatriz de qualquer mal entendido, ou até mesmo denunciá los. O amigo que entregava correspondências passou na casa do Gil naqueles dias e isso despertou uma ideia.
- Hermes, te conheço faz tempo e preciso de um favor sem dar muitos detalhes, o que posso adiantar é que preciso fazer uma surpresa pra alguém sem me identificar, por isso, gostaria de usar sua moto e a camiseta do uniforme, apesar daquele amarelo ridículo, sem ofensa- e sorri para o amigo.
- Cara, se não vai me arrumar problema não né??
- Depois te conto os detalhes, mas garanto que planejei tudo e vou pro lado da zona rural...
- Quem você conhece lá?? Ahh!! Deixa queto!! Depois você me conta, mas quando se precisa disso?
- Depois de amanhã, pode ser?
- Da nada, mas tem como fica aqui jogando video game até você voltar??
- É claro!!! Eu coloco gasolina e vou por fora do centro pra não suja pra você no trampo. Se sabia que meu pai foi militar né?? Tô jogando algumas coisas fora, é lógico que daria pra montar um museu, mas preciso de espaço, a Cintia tá grávida...
- Tá brincando??!!Tão curtindo a gravidez??
- Não muito, ficamos tristes com a situação de uma conhecida, mas estamos nos recuperando...
- Beleza, vô dá uma olhada nas quinquilharias do seu velho e depois levo...
Era sábado, Gil havia combinado com sua esposa que fosse ver o enxoval do bebê no centro,logo cedo.
- Cintia, o Hermes vai passar aqui e me emprestar a moto enquanto você faz compras...
- Mas ele não trabalha de manhã??
- Sim, mas vou fazer as entregas dele e ver como funciona, a conferência das notas é só segunda, e de capacete nem vão me reconhecer por ai...
- Se vocês acham seguro tudo bem, mas toma cuidado.
- Ele vai ficar no game até eu voltar...
Hermes bate à porta, e a própria Cintia atende.
- Oi Hermes, entra, eu to de saída, divirtam se rapazes, beijo Gil!!!
- Tchau amor!!
- Hermes, o game tá no jeito, eu vô dá uma olhada na moto e colocar a camiseta e já saio, tem breja na geladeira, beleza??
- Ta bom, a moto tem aquele macete pra ligar ainda, não esquece!!
- Se liga Hermes...!!
Na garagem, Gil coloca outra placa por cima da original, e percebe que ficou ótimo seu trabalho, repara que a viseira do amigo ainda é escura que facilita mais ainda suas intenções, já havia passado o plano várias vezes apesar de seu coração estar saindo pela boca, confere o endereço e parte rumo ao posto de gasolina.
Perguntaram se era aditivada ou não, ele tenta responder tranquilamente, mas seu peito parece que vai explodir, no entanto consegue dizer pro frentista ficar com o troco. Ao entrar na zona rural percebe que a distância minima entre as casas era de no mínimo um quilometro e meio, o que também era ótimo segundo ele. Não demora e encontra a casa, fica olhando um barraco simples de madeira com uma porta no meio dividindo a casa que tem janelas dos dois lados da frente, tenta ouvir algum barulho, mas tudo quieto, pára a moto, e desce já não tão nervoso e bate palma. Alguém abre uma fresta e pergunta quem é.
- É o carteiro diz ele!!!!!!
A porta se abre lentamente rangendo as malditas dobradiças, e sai uma garota com suor a escorrer pelo pescoço, extremamente sem graça e tímida, chega perto de Gil que observa a pequena a arrumar sua saia, cabelo, e blusa que por sinal era velhinha e de alça praticamente mostrando seus pequenos seios.
- Querida seu pai, e talvez seu irmão estão???!!!
- Tão ocupados, moço!!!!!!
Num gesto dúbio, avança mais um pouco e estica seu braço com um ferimento provavelmente de cigarro e que foi feito à pouco e diz - Eu mesmo recebo a carta!!!!!!
- Senhorita, preciso entregar em mãos, poderia por favor chamá - los pra mim???
-Tá bom!!
Ela some na escuridão atrás da porta, e de repente com certa desconfiança e arrogância, saem dois homens de média estatura arrumando as calças, enquanto olham meio por baixo o carteiro.
- O que o senhor quer ? - disse o pai pra Gil.
- Só lhe entregar uma correspondência.
- Mas não tenho família longe não, moço!!
- Senhor não faço ideia de quem seja, minha missão é lhe entregar...!!!!
Pai e filho se aproximam, e Gil entrega uma pequena caixa pra cada um com um bilhete fixado a elas. E o pai semi analfabeto, pergunta logo pro rapaz:
- O que diz aí lazarento?
- Que a gente é igual o que tem na caxa pai...
- Então vamo abri cacete...
Ao olharem dentro da caixa, arregalam o olho e com nojo jogam as caixas longe dizendo, - Mas é merda!!!!!!
Gil, sem pensar um segundo, já estava com revolver na mão e dispara um tiro na púbis do velho que cai em posição fetal gemendo de dor , e quando o rapaz pensa em correr leva um tiro provavelmente na coluna e cai sem movimento...
- Quer dizer que vocês são machos pra violentar uma criança de 11 anos, pois eu sou a correspondência inesperada, seus filhos da puta!!!!!!!!!
Gil desfere um chute na boca do velho que lhe arranca alguns dentes, e esse começa a pedir perdão, enquanto o carteiro inesperado vira o rapaz com o rosto pra cima...
- E ai?? Sentiu prazer em comer sua irmã na frente desse desgraçado, filho da puta???? Pois bem, você morre depressa por ser induzido e aceitar essa aberração...!!!!
Gil, dispara três vezes na cabeça do rapaz que expira pela última vez, enquanto o pai agonizando tenta fugir arrastando se.
- Velho, eu gostaria que todos que fazem isso sofressem muito mais, mas não posso gastar meu tempo com você por isso vou dizer uma só vez e seja digno pelo menos essa, abre a boca!!!!!!!!!
- Não por favor!!!!!!!
-Abre a boca!!!!!!!!!!!!!
Quando o velho dá sinal de uma pequena abertura, Gil lhe enfiou o cano na boca e desferiu um tiro certeiro. Olhou para os lados e os pássaros cantavam tranquilamente sem que uma única testemunha o visse, a não ser a garota que entre lágrimas, saía de casa com um sorriso no rosto. Enquanto Gil sobia na moto e saía pensando - Não sei o que fiz, só sei que está feito, entreguei as correspondências...