O sol se despedia e o mesmo ritual acontecia com Alexandre em seu apartamento, desligava a tv, ou largava o livro,o que geralmente fazia, amontoara diversos, de vários estilos literários , tamanhos, cores, cheiro e pra ele, também diferentes sabores. Há anos que não saia de casa e tinha lá seu jeito de conseguir o que precisava e ficava lá!! em casa... Num conjunto de 12 prédios de 6 andares cada, morava Ale, que como Engenheiro de uma petrolífera ganhou muita grana mas nunca fez questão de esbanjar ou se mostrar, foi diagnosticado com síndrome do pânico e isso explicou algumas mudanças que alguns colegas comentaram, passando cada vez mais em sua reclusão desenvolveu o hábito de no fim dos dias pegar um bom binóculo e vigiar janelas, já conhecia algumas por temas, como briga de casais, sexo animal, espancamento familiar, e até mesmo vida feliz.
Claudia morava num condomínio de 12 prédios com 6 andares cada, isso mesmo, morava no mesmo lugar que Alexandre, os prédios circundavam uma grande praça onde crianças com pais, jovens, e casais curtiam pouco nos fins de semana. Assim como Alexandre, ela morava no 6º andar, mudou se pro apartamento há um bom tempo, após o noivo limpar a conta conjunta e sumir pro norte da Índia onde ouviu dizer ser o berço do sexo tântrico, ela logo entrou em depressão e ficou de licença no trabalho, era uma boa auxiliar administrativa e fissurada por filmes e livros, ahh!!! Passava horas no computador, internet é claro. O banheiro de Claudia ficava bem de frente pra uma janela enorme da sala mas não se importava, afinal estava no último andar e adorava ficar olhando pras nuvens enquanto se banhava, colocava seu roupão sentava se na pequena sacada que tinha, bebericava alguma coisa e ficava olhando ou pro nada ou pros prédios do condomínio.
Guimarães, era um porteiro entre tantos que ali se revesavam, conhecia detalhes da vida de quase todos os moradores mas não ficava de conversa fiada sobre ninguém. Observador como aquele não havia, presenciou certa vez a chegada de duas caixas muito semelhantes e da mesma loja, que especializada em materiais de pesquisa cosmológica chamou-lhe muito atenção. Descobriu depois que se tratava de dois binóculos potentíssimos e por coincidência ou não, quando foram entregues a seus donos, Alexandre e Claudia, Guimarães percebeu que durante à noite os apartamentos não ficaram mais com as luzes acesas, lógico que desconfiava o que acontecia, mas se reservou apenas a observar da sua guarita.
Alexandre, certo dia resolveu quebrar o condicionamento e pegar seu binóculo mais cedo, pediu guloseimas por telefone e se esparramou no sofá com controles remotos à mão, mas não acreditava que conseguiria alguma visão interessante, afinal quase todos no condomínio trabalhavam e o espetáculo da vida privada só acontecia de noite, ainda assim resolveu procurar pelas janelas. Impressionou-se ao ponto de levantar e praticamente ficar à vista em sua sacada, mas quando se deu conta, lentamente voltou pro interior do ap, lógico que sem tirar seu brinquedo da cara e esbarando em tudo que tinha atrás de si, o impacto foi causado pela linda Claudia que ao banhar-se tranquilamente do outro lado da praça nem imaginava que alguém a observava e com um tremendo interesse. Ela como sempre pegou seu roupão e foi pra sacada com um suco e um livro, mas com uma sensação estranha de que era observada, pegou seu binóculo e resolveu dar uma geral pela vizinhança, mas ficou desanimada pois não viu movimento nenhum, no entanto, quando voltava pro livro, percebeu um movimento no apartamento de frente ao seu do outro lado da praça e rapidamente focou naquela direção e avistou um rapaz bonito caindo de costas sobre um sofá e jogando algo pelos ares.
Era Ale, que assustado com o saque de um binóculo da sua vizinha, esborrachara-se na sala deixando o que tinha nas mãos voar por cima das almofadas, desesperado rastejou até as cortinas e sem conseguir fecha-las ficou deitado olhando pro teto imaginando o que poderia acontecer... O que fazer? Chamariam a polícia? Que embaraço pensou o rapaz mas resolveu lentamente retomar a observação, e ao olhar pro apartamento de Claudia viu ela segurando um cartaz do tamanho de uma cartolina que dizia: Como é seu nome? o meu é Claudia!! Ele resolveu se levantar e procurar alguma coisa pra fazer um cartaz, não conseguindo encontrar nada, pegou um lençol branco, tintas e pinceis e escreveu seu nome e pediu desculpas pela indiscrição. Sua comparsa no voyeurismo escreveu outro dizendo que não tinha problema e que gostaria de falar com ele mas que não podia sair do apartamento, ele disse que também não saía do seu, mas que poderiam conversar por telefone, então lambuzou o lençol com o número do seu telefone.
Guimarães aquele dia percebeu que o apartamento dos dois estavam de luzes acessas e ficou se perguntando o que acontecia naquele dia, ou melhor naquela noite, pois há muito tempo não presenciava aquilo, de tanta curiosidade resolveu interfonar nos dois apartamentos e perguntar se precisavam de algo mas nenhum do dois o atenderam. Alexandre e Claudia trocavam presentes que deixavam o porteiro cada vez mais ensandecido, eram coisas simples como buque de flores, cds, filmes, livros mas todo esse movimento despertava mais ainda a curiosidade do porteiro. Os dois trocaram ideias sobre suas observações das janelas vizinhas, compartilharam tristezas passadas, e expectativas, no entanto, terminavam onde iniciaram, trancados nos apartamentos, mesmo que um deles sempre insistisse pro outro sair de casa e tocar a campainha do que convidava, isso não rolava. O que fazer?? Como resolver isso??? Gastaram tempo no computador com câmera, Claudia tomava seus banhos com regularidade e se mostrava pra Alexandre e ele também tentava ainda que de maneira desajeitada, ser sensual, mas nunca gostou de suas performances, os dois estavam pra explodir de vontade de sentir o cheiro, a textura da pele, a maciez dos cabelos, poder deitar no colo, abraçar, beijar... Não sentiam o toque de outra pessoa há mais de ano, mas toda essa movimentação que levou meses, os fez despertar pro fato que um poderia ser a cura do outro, pensaram juntos a respeito do momento e local pro encontro.
Numa semana qualquer, dois celulares foram entregues no condomínio e o porteiro sabia que eram dos voyeurs, viu que em determinada hora, todos apartamentos estavam apagados, exceto de Cláudia e Alexandre. Resolveu apagar as luzes da guarita e observar cuidadosamente qualquer mudança que houvesse, pois acreditava que em breve os dois romperiam de maneira inusitada com suas vidas. Passavam-se madrugadas, até que uma noite de lua cheia em que praça do condomínio estava bem iluminada e com um frescor que balançava levemente as folhas das árvores, os dois apartamentos apagaram as luzes.
Guimarães arregalou os olhos, pois há meses via as luzes acesas nos apartamentos, logo se aconchegou de um jeito que ficasse bem posicionado e nesse instante percebeu os reflexos dos elevadores dos dois lados da praça, seu coração disparou e quase não se continha,mas aquietou-se. As portas dos prédios de Cláudia e Alexandre se abrem enquanto as luzes dos saguões impedem que o porteiro veja mais do que silhuetas, mas que indicavam estar com celulares, de repente começam a andar rumo à praça como se fossem uma noiva levada até o altar, um passo de cada vez, outros poderiam achar parecido com algum ritual de acasalamento. Lentamente, chegam próximos ao jardim que muito bem cuidado exalava perfume no ar, desligaram os celulares, olharam prum banco e caminharam mais um pouco, parados frente à frente, olharam se por instantes e resolveram sentar próximos, parecia que um tentava ler o pensamento do outro pelos olhos e se aproximaram ao ponto de sentirem suas respirações, que não eram suaves, cheiraram os cabelos e queriam muito o toque, mas nenhum encostou no outro.
Claudia sussurrou algo no ouvido de Alê, enquanto atônito, o porteiro se deliciava com a cena, como se tivesse uma visão celestial, os dois levantaram e caminharam rumo a portaria, e Guimarães quase sem respirar esperava que o vissem, mas como que enfeitiçados saíram pelos portões olhando a lua e conversando algo que não se podia ouvir. Sozinho, ficou o porteiro em sua guarita de luzes apagadas com lágrimas no rosto pensando: - Depois disto não olharei pras pessoas do mesmo jeito, sei que mudarei, oh!! que vou mesmo!!!!